INTRODUÇÃO:
A Nova
História Cultural: Origens, Conceitos e Críticas
O historiador britânico Peter
Burke, um dos mais importantes representantes da Nova História Cultural.
Texto:
A denominada história cultural é
uma das práticas historiográficas mais comuns e difundidas nos dias de hoje.
Mas, apesar de seu sucesso, seus conceitos e sua história não possuem
uniformidade entre os historiadores. Procuraremos neste ensaio analisar as diferenças
e as semelhanças nas suas interpretações.
O termo nova história cultural
foi difundido a partir dos anos 1980, mas entre alguns autores que analisaram a
sua definição, ela possui dois eixos de identificação: os que defendem que está
ligada diretamente, como herdeira e ao mesmo tempo questionadora, de uma
história cultural que tem raízes desde o século XVIII; em segundo, aqueles que
acreditam que este “movimento” possui raízes mais recentes, vinculadas
objetivamente na tradição historiográfica francesa, conhecida como história das
mentalidades, surgida após os anos 1960. Examinaremos cada uma em detalhes. Em
seguida, concederemos um panorama sintético dos debates conceituais envolvendo
a disciplina, e por último, algumas críticas teóricas e metodológicas efetuadas
tanto pelos opositores como pelos adeptos da nova história cultural.
As origens
No final dos anos 1980, o
historiador britânico Peter Burke realizou uma conferência no Brasil, onde
procurava determinar os mais recentes paradigmas da historiografia,
especialmente os advindos da França e relacionados aos Annales. Sob o epíteto
de “a nova história”, caracterizou esta tendência como algo situado entre a
história total e a estrutural. Esse movimento seria basicamente ocasionado por
uma crise geral dos paradigmas, especialmente concentrados em algumas críticas:
a política pensada além das instituições e a história pensada além da política;
uma preocupação maior com as estruturas do que com a narrativa dos
acontecimentos; deslocamento do interesse pela vida e obra dos grandes homens e
grandes datas para as pessoas e acontecimentos comuns; a necessidade de se ir
além dos documentos escritos e registros oficiais; a história não seria
objetiva, mas sujeita a referenciais sociais e culturais de um período.
Tentando determinar como e de que maneira surgiu essa nova história, Burke
retorna ao início dos Annales, com Bloch e Febvre e sua oposição aos
rankenianos, para em seguida ir ainda mais para trás, chegando a Jacob
Burckhardt e aos acadêmicos do século XVIII que pensavam a história muito além
da política, considerando as maneiras de pensar de uma sociedade, o chamado
“espírito da época”. Na realidade, Burke estava sendo influenciado naquele
momento pela obra de Jacques Le Goff, que publicou uma coletânea em 1978 com o
nome de A Nova História. Para Le Goff essa denominação remetia essencialmente a
uma continuidade da historiografia francesa, onde os analistas ocupavam uma
posição central, em pelo menos três gerações de pesquisadores oferecendo novas
perspectivas metodológicas, temáticas e problematizadoras – toda forma de
história nova seria uma tentativa de história total, sendo a mais fecunda das
perspectivas a longa duração. Posteriormente, em 1991, o texto de Burke foi
modificado para servir de introdução ao livro A escrita da História, publicado
três anos depois de sua palestra inicial. Nele, as recentes tendências
investigativas recebiam influências de outras partes, como Inglaterra e Estados
Unidos e questões como a do relativismo cultural, a micro-história e o
construtivismo apontavam direcionamentos muito além da tradição francesa.
Um pouco antes da publicação do
livro de Burke, em 1989, a historiadora norte-americana Lynn Hunt realizou uma
coletânea utilizando o termo que definiria e popularizaria esta tendência
historiográfica em ascensão: a nova história cultural. Segundo Hunt, além da
terceira e quarta geração dos Annales, o interesse pelas práticas simbólicas
foi também enfatizado por autores marxistas, antropólogos, críticos literários
(narrativa e linguagem) e filósofos (análise do discurso), todos apontando que
as relações econômicas e sociais são campos de produções culturais. Também os
documentos não seriam simples reflexos transparentes do passado, mas ações
simbólicas com significados diferentes conforme os autores e suas estratégias.
Era o início da supremacia dos estudos culturais na historiografia.
Em outro texto publicado em 1997,
novamente procurando definir as origens da história cultural, Peter Burke se
distancia muito mais de uma ligação direta e única com a historiografia
francesa. Tentando se desvincular de uma perspectiva linear e de continuidade,
ele recorre aos antecedentes dos motivos culturais na Europa, ainda com os
humanistas do Renascimento, estudando a língua e a literatura, até chegar à
história da música e das artes durante o Setecentos.[4] Durante o século XIX,
surge o que ele denomina de história cultural clássica, especialmente na
Alemanha, onde se percebe um interesse das elites pela cultura – aqui como sinônimo
de arte, filosofia e literatura. Com relação aos historiadores da primeira
metade do século XX, aponta algumas deficiências em comum: ignoram a sociedade
e a economia; seu postulado de unidade cultural é injustificado; a ideia de
tradição é muito tradicional e fixa e o conceito de cultura é equiparado com o
produzido pela elite.
Essas ideias seriam aprofundadas
e organizadas em uma concepção mais esquemática, no livro O que é história
cultural?, publicado em 2004. Aqui Peter Burke concebe quatro fases para esse
movimento historiográfico: a fase clássica, durante o Oitocentos; a história
social da arte na década de 1930; a história da cultura popular nos anos 1960;
e finalmente, a nova história cultural posterior aos anos 1970. Entre todos os
antecessores, dois mereceram maior atenção com seus clássicos: Jacob Burckhardt
(A cultura do renascimento na Itália, 1860) e Johan Huizinga (O outono da Idade
Média, 1919), mas também a obra de Aby Warburg e Ernest Gombrich, ambos
trabalhando com a noção de esquemas ou fórmulas culturais de origem
psicológica, que foram fundamentais para as gerações seguintes. Mas a maior
influência acadêmica que Burke aponta para o surgimento da história cultural
praticada durante a década de 1970 e 1980, teria vindo das confluências com os
estudos de antropologia, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.
Com uma perspectiva mais restrita
ao âmbito francês, um estudo de Ronaldo Vainfas e outro de Roger Chartier,
vinculam diretamente o surgimento da nova história cultural como resposta e
continuidade à história das mentalidades. Esse movimento recusaria o conceito
de mentalidades, o considerando muito fluido, ambíguo e pouco preciso, sem
articulações entre o psicológico e o social. Mas não negam o mental, nem os
vínculos com a antropologia e a longa duração: “É lícito afirmar, portanto, que
a história cultural é, neste sentido, um outro nome para aquilo que, nos anos
1970, era chamado de história das mentalidades”. Outros dois elementos vão
caracterizar a nova história cultural: a preocupação com o resgate do popular e
a busca pelo coletivo (estratificações e conflitos). Mas, reafirmando seu
caráter plural e a multiplicidade de enfoques, Ronaldo Vainfas apresenta ao
menos três vertentes atuais: 1. A praticada por Carlo Ginzburg, com suas noções
de cultura popular e circularidade cultural; 2. A história cultural de Roger
Chartier e seus conceitos de representação e apropriação; 3. A produzida por
Edward Thompson e seus estudos sobre movimentos sociais e cotidianos das classes
populares.
Seguindo esta mesma perspectiva
de que a nova história cultural foi criada em torno da oposição dos conceitos
da história das mentalidades, Roger Chartier questiona o posicionamento de Lynn
Hunt de 1989 – de que este movimento historiográfico seria unificado e
coerente. Para Chartier, a diversidade dos objetos de investigação, das
perspectivas metodológicas e os conceitos teóricos apresentam, pelo contrário,
um movimento totalmente sem unidade de abordagem, mas construído em torno de um
intercâmbio de debates, especialmente recusando a redução da história a uma só
dimensão e o primado político-social na historiografia.
A mais recente reconstituição
histórica também é originada de um francês, mas ao contrário de Roger Chartier
e Ronaldo Vainfas, percebe o movimento concomitantemente em torno de dois eixos
de estudos culturais, um anglo-saxão e outro francês. O estudo de Pascal Ory
entende a prática de história cultural, no caso francês, situada à margem da
denominada história das mentalidades, vinculando o movimento a partir do artigo
teórico de Georges Duby, Histoire culturelle, originalmente de 1969, mas
republicado na coletânea Por une histoire culturelle (1997). Emblemático, o
texto de Duby conclama para um inventário do fenômeno cultural, seus símbolos e
signos, vocabulários, gestos rituais, enfim, da relação entre os mecanismos
mentais e sua articulação em um imaginário de base histórica.[10] Mas apesar de
sua importância, o texto de Duby foi pouco conhecido e comentado, num período em
que os debates sobre a estrutura eram centrais na historiografia francesa. Foi
somente a partir dos anos 1980 que as perspectivas antropológicas e
culturalistas teriam penetrado de forma incisiva na academia da França.[11] Na
tradição anglo-saxônica, os estudos deste tema teriam se iniciado com a
contrapartida britânica do artigo de Duby, Em busca da história cultural, de
Ernest Gombrich, publicado em 1969, seguido de diversas obras de Natalie Zemon
Davis, Peter Burke e Robert Darnton.[12]
Os conceitos
Sendo originadas de diferentes
heranças e tradições, a nova história cultural vem privilegiando objetos,
domínios e métodos bem diferentes, sendo difícil realizar um levantamento
completo. Assim, identificaremos algumas questões comuns, lembrando que as abordagens
são diversas.
A – A representação e o
imaginário.
São as matrizes que geram as
práticas sociais e os comportamentos, que dão coesão e explicação para a
realidade. Geram identidade tanto para o indivíduo quanto para o grupo e são
portadoras do simbólico, que é construído social e historicamente – portanto, a
“realidade do passado só chega ao historiador por meio de representações”. Para
Chartier, o conceito de representação permite articular três modalidades da
relação com o mundo social: a delimitação e classificação das múltiplas
configurações intelectuais; as práticas de reconhecimento de uma identidade
social; as formas institucionalizadas que marcam a existência de um grupo.[15]
Assim, não existem práticas ou estruturas que não sejam produzidas pelas
representações.[16] Todo tipo de narrativa pode ser lida culturalmente, além
das formas, sendo que o leitor pode participar da construção de seu sentido,
originando a historicidade dos textos.[17]
Para a historiadora Sandra
Pesavento, isso acabou englobando até mesmo as narrativas do passado como sendo
representações, sendo a história cultural “uma representação que resgata
representações, que se incumbe de construir uma representação sobre o já
representado”. E a partir daí, passou-se a empregar um novo conceito, o de
imaginário, que seriam as ideias e representações de uma determinada época,
criadas para dar sentido ao mundo. Com isso, pesquisadores como Jacques Le Goff
e Cornelius Castoriadis pensam que todo o campo da experiência humana pode ser
abarcado pelo imaginário.
Mas, o historiador britânico
Peter Burke, ao contrário de Sandra Pesavento, percebe que houve um movimento
contrário – primeiro ocorreram as teorizações do imaginário social, para em
seguida passar-se às ideias de representação e construtivismo na nova história
cultural. Inicialmente os estudos de imaginário tiveram dois trabalhos
paradigmáticos na historiografia francesa, a obra As três ordens ou o
imaginário do feudalismo (1978), de Georges Duby, e O nascimento do purgatório
(1981), de Jacques Le Goff. Estes trabalhos pensavam como as representações
tiveram o poder de modificar a realidade, não sendo simples reflexos da
estrutura social. Para Burke, com o tempo, os conceitos de imaginário e
representação tornaram-se limitados, e os historiadores culturais passaram a
pensar que toda a realidade era produzida por meio de representações – portanto
uma influência das ideias construtivistas, comuns na filosofia e crítica literária,
atrelada também a outros conceitos pós-modernos, como o relativismo e o
subjetivismo. É a construção social da realidade, não existindo praticamente o
indivíduo e o mundo real fora das representações.
B – A cultura popular.
Tradicionalmente, os
historiadores trataram a cultura popular como um sistema simbólico coerente e
autônomo, enquanto outros, dependentes de um sistema de dominação e
desigualdade social, compreenderam a cultura popular a partir de suas
dependências em face à cultura dos dominados. No primeiro caso, a cultura
popular é pensada como independente, e no segundo, totalmente definida pela sua
distância em relação aos dominantes. Assim, Carlo Ginzburg definiu seu conceito
de cultura popular tanto pela oposição à cultura letrada, mas ao mesmo tempo,
pela relação que mantém com a cultura dominante, filtrada pelos seus próprios
interesses e valores.
Para Roger Chartier, houve uma
recusa nestes esquemas categóricos. O poder dos modelos culturais dominantes
não anularia a recepção dos dominados, sendo que na distância das normas e
dogmas, existem as resistências e apropriações, campo próprio das tradições
partilhadas. Chartier rejeita o modelo ginzburgiano de dicotomia da cultura
popular/cultura erudita, adotando uma visão mais abrangente e não homogênea de
cultura. Alguns antropólogos aceitam que as culturas populares não são
totalmente dependentes, nem completamente autônomas, nem simples imitações ou
totalmente criativas. Como qualquer cultura, elas não são homogêneas e são
construídas em uma situação de dominação, por serem grupos sociais
subalternos.[23] Adotando certa influência de Chartier, mas percebendo que é
impossível abandonar o modelo binário de popular e erudito (sem eles seria
difícil analisar as interações), Peter Burke recomenda o seu emprego sem muita
rigidez, colocando os dois termos em uma estrutura mais ampla.
C – Os discursos e a linguagem.
No mundo contemporâneo, existem
duas crises relacionadas entre si e que influenciaram muitos dos debates da
nova história cultural: a da modernidade e a crise da História. A primeira é
referente às problemáticas elaboradas após os anos 1960 à cultura moderna, à
visão racionalista de origem oitocentista sobre a História e as raízes
iluministas sobre o conhecimento da realidade. A crise da História seria
relacionada tanto ao seu objeto quanto as suas formas tradicionais de
conhecimento e método. Em ambas houve as críticas sobre o conhecimento “real”
(objetivo) da natureza. Quanto ao linguistic turn (giro ou virada linguística),
situado também após os anos 1960, seria o encontro de diversas correntes
teóricas que tinham como pressuposto comum, a filosofia da linguagem: Hayden
White, Michel Foucault, Michel de Certeau, Ankersmit, Paul Veyne, entre outros,
tendo essencialmente a ideia de que “nada existe fora do texto ou da linguagem”.
A maior influência metodológica destas assertivas foi de que as fontes passaram
a ser vistas não mais como textos inocentes e totalmente transparentes, sendo
escritas com diferentes estratégias e finalidades.
Contra esse uso incontrolado do
referencial de texto, alguns historiadores culturais conclamaram que a
experiência não pode ser reduzida à ordem do discurso. Natureza e realidade
estão imbricadas a toda experiência narrativa, sendo que “o que está fora do
texto, está também dentro dele” e o combate da noção de prova histórica como
sendo positivista seria um ponto de vista totalmente ingênuo dos
pós-modernistas. Os dados empíricos devem ser investigados em sua interação com
a narrativa. E nem sempre as estratégias dos discursos são totalmente parecidas
com os processos práticos, pois as linguagens disponíveis são mais limitadas
que os recursos que os indivíduos e os grupos sociais possuem. Na prática
histórica dos dias de hoje, exige-se a compreensão conjunta de como os discursos
constroem as relações de dominação, e como eles mesmos são dependentes de
interesses contrários, separando o poder de legitimação das representações que
asseguram a submissão.
D – As práticas culturais.
Para os novos historiadores
culturais, as relações econômicas, sociais e mentais são campos de práticas e
produções culturais. As práticas envolvem todo o espaço da experiência vivida e
a cultura permite ao indivíduo pensar essa experiência, ou seja, criar as
formulações da vivência. Todo simbolismo é fator de identidade, e toda cultura
é cultura de um grupo: “a história é, ao mesmo tempo e indissociavelmente,
social e cultural”. Assim, o estudo das práticas tornou-se um dos paradigmas da
nova história. Ao invés de se estudar apenas as instituições, as correntes
filosóficas, teológicas, as teorias, parte-se para a história da experiência
humana em todos os seus sentidos. Dentre todos os campos investigados, a
prática religiosa é uma das que mais vem preocupando os especialistas em
história das religiões, por exemplo. Mas entre as formas mais populares da
história das práticas, certamente é a história da leitura, passando por
pesquisadores como Carlo Ginzburg, Michel de Certeau e principalmente, Roger Chartier.
Imbricada a este campo, são os
estudos da vida cotidiana, sendo a encruzilhada de abordagens recentes da
sociologia e da filosofia. Ambas tem como ponto em comum o mundo da experiência
humana, sendo os comportamentos e valores aceitos como centrais em uma
sociedade. Atualmente os historiadores tentam abordar as regras latentes da
vida cotidiana, indo de encontro tanto da história social quanto à cultural. O
cotidiano inclui ações, atitudes, hábitos e rituais. O desafio maior aos
pesquisadores é tentar determinar as relações entre as estruturas do cotidiano
com as mudanças e os grandes acontecimentos: “o cotidiano só tem valor
histórico e científico no interior de uma análise de sistemas históricos que
contribuam para explicar seu funcionamento (...) fórmula vazia que a cada época
serve para preencher um conteúdo diferente”.
As críticas
As maiores críticas externas à
prática da nova história cultural vieram inicialmente, de autores vinculados a
um referencial marxista, como Ciro Flamarion Cardoso. Inicialmente, ele
considera que os usos dos conceitos de cultura são polissêmicos demais e muitas
vezes, totalmente opostos. Mas também as aplicações da metodologia
antropológica seriam diferenciadas, conforme o autor. A principal ideia que Cardoso
mantém sobre a história cultural, especialmente a francesa, é de seu
radicalismo: que o conhecimento humano não passaria de um conjunto de ideias e
representações, sem base material, econômica e social. Cardoso não nega o valor
e a importância das produções simbólicas, mas considera que elas são criadas a
partir de respostas sociais e materiais a eventos de ordem histórica e não
podem fazer parte de uma natureza humana (que é irreal e idealizada) e desprovida
de dimensão histórica. Apesar de se concentrar bibliograficamente na tradição
francesa, como em Roger Chartier, o historiador Ciro Cardoso muitas vezes
generalizou o movimento da nova história cultural como derivado diretamente do
pós-modernismo. Um e outro seriam indissociáveis, especialmente nas questões de
relativismo, subjetividade e construtivismo. Na realidade, o autor acaba
omitindo os referenciais de outros importantes expoentes, como o britânico
Peter Burke e o italiano Carlo Ginzburg, este último radicalmente oposto ao não
realismo epistemológico contemporâneo e à virada linguística.
Outro historiador brasileiro,
Ronaldo Vainfas, percebeu com mais sutileza a pluralidade desta prática
historiográfica, mas do mesmo modo que Cardoso elaborou críticas teóricas para
a vertente francesa. O referencial de representação de Roger Chartier, faz com
que o social só tenha sentido dentro das práticas culturais, nos símbolos de
construção da realidade, enfim, o que Vainfas denomina de ‘tirania do
cultural”.[ Os excessos do conceito de representação também foi percebido por
outro historiador, Pierre Vilar, que considera válido ao historiador recuperar
os diferentes sentidos sociais que as simbolizações ocupam nos mais variados
espaços temporais.
Quanto às críticas internas, elas
vieram logo em meados dos anos 1980. Lynn Hunt enfatizou a falta de teorias
unificadas e programas objetivos. Peter Burke neste período, enumerou pelo
menos quatro campos de problemas. Primeiro, com as definições, ocasionadas por
campos inéditos aos historiadores, como em relação à cultura popular: quem é o
povo? Quais são suas fronteiras ou divisões? Com relação às fontes, como
superar as limitações das fontes escritas e oficiais? Os dois últimos problemas
seriam a falta de explicações e sínteses, devido à fragmentação disciplinar que
a história se encontrava nesta época.[39] Seis anos depois, em 1997, Burke
reforçava as críticas para os exageros da teoria das representações e do
construtivismo: “A invenção jamais está livre de coerções”. O problema
essencial para os historiadores, segundo ele, seria “revelar uma unidade
subjacente sem negar a diversidade do passado”. Mas ao mesmo tempo, evitar cair
em uma excessiva simplificação – a de que as culturas são homogêneas, sem
diferenças ou conflitos.
Um dos mais completos balanços
internos do movimento, porém, foi publicado por Burke em 2004. Entre os vários
pontos de discussão, ele alega que a ideia de construção cultural, apesar de
ter sido uma saudável reação contra o determinismo social e econômico, em
alguns casos foi muito excessiva. Outros pontos já haviam sido detectados
antes, mas agora haviam se tornado mais claros, entre eles a falta de definição
de cultura e dos métodos a serem seguidos, além do perigo de fragmentação.
Apesar das conquistas do construtivismo cultural, seria necessária uma história
social da cultura: “Pode ter muito bem ter chegado o tempo de ir além da virada
cultural (...) A NHC pode estar chegando ao fim de seu ciclo”.
No Brasil, alguns historiadores
diretamente envolvidos neste movimento historiográfico, como Sandra Jatahy
Pesavento, apresentam nítidas contradições. De um lado, defende o conceito de
que história é uma forma de ficção controlada – influenciada objetivamente por
Hayden White e a virada lingüística – mas em questões metodológicas, nega
qualquer tentativa de apagar as fronteiras entre história e literatura ou mesmo
de que é impossível o distanciamento entre o pesquisador e seu objeto, como
apregoa o subjetivismo pós-modernista. Ao mesmo tempo, defende o caráter científico
da disciplina, o que é inviável dentro deste contexto de “sensibilidade do
indivíduo”.
Concordando com vários
posicionamentos de Ciro Cardoso, o historiador Ronaldo Vainfas reitera que a
história pós-modernista exagerou, criando uma justificativa contrária ao
determinismo da estrutura, porém, também radical, a de “teorias voluntaristas
da consciência”, incapazes de fornecer generalizações consistentes. Os embates
dos paradigmas continuam, e mais do que nunca, podemos afirmar que a prática da
nova história cultural vem apresentando inovações, contribuições extremamente
importantes para a historiografia, mas que não são uníssonas, unindo
pesquisadores díspares e de influências variadas.
Fonte: http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=artigos&id=186
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Qual o conceito da “Nova História
Cultural” e o que é história das mentalidades? Elabore um texto abordando esses
assuntos. No mínimo 3 laudas.
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