Uma definição da Geografia Humana - Albert Demangeon
Desde a Antiguidade muitos
escritores, de espíritos curiosos e observadores, constataram na superfície da
Terra diferenças entre os costumes dos homens. Muitos viajantes, desde
Heródoto, as têm descrito; muitos historiadores e moralistas, desde Tucídides,
as têm tomado como base de suas reflexões filosóficas. Porém, a ideia de
constituir uma ciência, isto é, em procurar a explicação, veio muito mais tarde
e só apareceu a partir do fim do Século XVIII. Até então, o estudo dos fatos
que agrupamos sob o nome de Geografia Humana: modos de vida dos homens na
superfície da Terra, modos de grupamentos, consistia em uma simples descrição
olhada sobretudo como um conhecimento de caráter utilitário e prático ou como
uma imagem pitoresca dos costumes e das diferentes maneiras de ser dos povos.
Eram relatórios de informações destinados a guiar os viajantes, eram narrações
frequentemente romanceadas de aventuras maravilhosas feitas sobretudo para
agradar a imaginação; eram enumerações de lugares e de distâncias, todas
entremeadas de recordações históricas; eram, por vezes, considerações
arqueológicas e genealógicas; noções de estatística e de administração. Estes
trabalhos visavam, certamente, satisfazer a curiosidade que todos os espíritos,
mesmo os mais humildes, sentem por aquilo que se relaciona com os povos
estrangeiros e com as paisagens exóticas. Porém, de fato, este conjunto de
conhecimentos era apenas um caos desordenado, sem esforço construtivo, sem luz
explicativa, isto é, sem característica científica.
O progresso da Geografia Humana
como ciência remonta ao progresso do nosso conhecimento do globo, efetuado
sobretudo em consequência de viagens de descobertas e de colonização do Século
XVIII; viagens efetuadas sobretudo por cientistas e por exploradores animados
de curiosidade científica. Eles obtiveram através do mundo elementos de
comparação entre as sociedades humanas situadas em diferentes graus de civilização;
ora, o espírito de comparação desperta o espírito científico, porque cria o
sentido da generalidade dos fatos.
Vidal de La Blache, que foi o
iniciador da Geografia Humana na França, mostrou que o caráter científico desta
geografia remonta a dois geógrafos alemães: Alexandre von Humboldt (1769-1859)
e Karl Ritter (1779-1859), quando os dois demonstraram que entre os fenômenos
físicos e os fenômenos da vida há relações constantes de causa e efeito, mas
cada um deles trouxe sua maneira original de conceber esta conexão. Autor do
Cosmos, Humboldt, sobretudo naturalista, interessou-se em estudar os fenômenos
físicos e a mostrar, por exemplo, a influência dos fatores como a altitude, a
temperatura, a umidade, a seca sobre as formações vegetais. Autor de Allgemeine
vergleichende Geographie, provido de uma forte cultura histórica, K. Ritter
mostra que em Geografia Humana a natureza não é o único poder causal e que o
próprio homem é, na superfície da Terra, um agente de transformação e de vida.
Dessa maneira, a natureza e o homem, Natur und Geschichte, como dizia Ritter,
são "os dois termos perpetuamente associados" entre os quais deve
gravitar o pensamento do geógrafo.
É neste caminho que a Geografia
Humana permaneceu, com dois mestres de escola, Ratzel na Alemanha e Vidal de La
Blache na França. Suas doutrinas e seus ensinamentos foram divulgados em quase
todos os países, inspirando aqui e acolá obras que contribuíram para vulgarizar
a nova ciência e em fazer penetrar os princípios e as lições fora dos meios
intelectuais, até nas esferas de ampla cultura. Pode-se citar na França: J.
Brunhes; na Alemanha: Philippson; na Inglaterra: Mackinder e Herbertson; nos
Estados Unidos: Miss Semple; na lugoslávia: Cvijic; na Itália: Marinelli; na
Rússia: Woeikof.
1. Definição e objeto da
Geografia Humana
Se tentarmos precisar o espírito
que domina os trabalhos de Geografia Humana e procurar aquelas tendências
comuns às quais obedecem podemos chegar, por aproximações sucessivas, a definir
o objeto desta ciência.
De início, a Geografia Humana
aparece-nos como o estudo das relações dos homens com o meio físico. Esta noção
nos vem sobretudo da Geografia Botânica, por intermédio de Humboldt e de
Berghans e, particularmente, dessa ciência botânica chamada Ecologia, que
estuda até que ponto os fatores do clima e do solo determinam a vida das
plantas. Da mesma forma, eles podem em uma grande escala determinar a vida dos
homens. Uma das primeiras preocupações do geógrafo é colocar os fatos humanos
em relação com a série de causas naturais que podem explicá-los e recolocá-los,
desta maneira, no encadeamento do qual faz parte. O entendimento dessas causas
nos esclarece sobre os modos de vida e os hábitos materiais dos homens. Esta
influência do meio físico ambiental, como dizem certos americanos, manifesta-se
em toda a parte, em todos os domínios da atividade humana, em exemplos entre os
quais o geógrafo só tem o embaraço da escolha. É numa dependência causal que se
encontram, frente a frente, os três termos de uma associação que une
estreitamente uma planta, um animal doméstico e um modo de vida, isto é, o
líquen, a rena e o Lapão. A influência soberana do meio conduziu os indígenas
da floresta da África Central a uma vida de caçador e de coletor, àquelas das
estepes da Ásia Central a uma vida de nômades e de pastores. Nos países áridos
existe uma estreita conexão entre as fontes e a posição das aldeias; nas altas
montanhas, entre as raras manchas de boa terra bem exposta e o habitat humano.
Não houve do ponto de vista do desenvolvimento da civilização uma profunda
diferença entre a Europa, localizada no coração do hemisfério ocidental e a
Austrália, isolada no meio de mares imensos? As penínsulas e as ilhas não
contribuíram para a formação de individualidades humanas, de Estados? A
separação de Portugal em relação à Espanha não se explica, em parte, do lado do
Oeste por sua posição oceânica, do lado do Leste pelo relevo acidentado e as
gargantas selvagens que o isolam da Espanha?
Porém, ao levar até o fim esta
primeira definição da Geografia Humana, percebe-se que ela não poderia abranger
todo o estudo das relações humanas com o meio físico. A definição logo aparece
muito ampla, porque muitas dessas relações escapam certamente à competência da
Geografia Humana e se ligam a ciências bem definidas. Em seu livro sobre La
Terre et l'Evolution humaine, L. Febvre marcou fortemente essas zonas
interditas à Geografia Humana. Por exemplo, embora certas raças humanas pareçam
ligadas a um domínio geográfico bem limitado, não cabe à Geografia Humana
explicar as diferenças que existem entre as raças do ponto de vista de suas
reações em face da cor de sua pele, em face dos fatores do clima. Deixemos,
então, a outros o estudo dos elementos fisiológicos da natureza humana. Não
esqueçamos que o homem tem uma anatomia, uma fisiologia, uma patologia que
derivam de caracteres hereditários e cujo estudo constitui a Antropologia e a
Medicina. Tratemos de retificar nossa primeira definição.
Pode-se, portanto, dar uma
segunda definição: a Geografia é o estudo dos grupamentos humanos em suas
relações com o meio físico. Renunciemos a considerar os homens como indivíduos.
Pelo estudo de um indivíduo, a Antropologia e a Medicina podem chegar a
resultados científicos; a Geografia Humana não. O que ela estuda são os homens
como coletividades e grupamentos: são as ações dos homens como sociedades.
Devemos partir em nossas pesquisas, não do indivíduo, mas do grupo. Desde os
tempos mais distantes vemos em ação não homens isolados, mas grupamentos de
homens. Tão longe quanto se possa recuar ao passado, constatamos que viver em
sociedades, viver com os semelhantes que têm os mesmos modos de viver é um
estado inseparável da natureza humana. Esses grupamentos são, às vezes,
pequenos como são as numerosas aldeias neolíticas, cujos restos foram
encontrados. Elas são às vezes imensas como essas sociedades da época
paleolítica, cujas ferramentas se assemelham através do mundo. Dessa forma, é
pelos seus grupamentos que a humanidade mesmo primitiva entra em contato com o
meio físico. É um esforço de cooperação que vemos na origem das civilizações e
de suas conquistas materiais sobre a natureza. Os esforços como a construção
dos dolmens, a organização da irrigação na Mesopotâmia e no Egito, como a
domesticação dos animais, só poderiam ser empreendimentos coletivos. Mas esta
definição ainda não é suficiente para envolver todo o conceito de Geografia Humana,
e há uma última correção que nos aproxima definitivamente da realidade.
A Geografia Humana é o estudo dos
grupamentos humanos em suas relações com o meio geográfico. A expressão de meio
geográfico é mais compreensiva que a de meio físico; ela engloba não somente as
influências naturais que podem-se exercer, mas ainda uma influência que
contribui para formar o meio geográfico, o ambiente total, a influência do
próprio homem. No início de sua existência, a Humanidade foi certamente
escrava, pela sua dependência da natureza. Porém, o homem nudus et inermis não
tardou a tornar-se, graças à sua inteligência e à sua iniciativa, um elemento
que exerce sobre o meio uma ação poderosa. Torna-se um agente da natureza
transformando a fundo a paisagem natural, criando associações novas de plantas
e animais, os oásis para as culturas de irrigação, as formações vegetais como o
matagal e a charneca em detrimento da floresta. E essas transformações se
estenderam por diversas regiões porque há, de grupo para grupo de homens, as
migrações, os empréstimos, as imitações. E essa ação das sociedades humanas
sobre a natureza é tanto mais rica e mais forte quando as suas iniciativas as
têm tornado mais capazes de ampliar seu raio de ação, de alcançar mais. Há tais
dados da natureza que o homem tem, por sua ação, profundamente perturbado: na
Antiguidade, as ilhas Britânicas eram a extremidade do mundo conhecido, numa
posição excêntrica; na época moderna, a partir da descoberta e do povoamento do
Novo Mundo, elas ocupam uma posição central. Em nossos dias, a ação do homem
sobre a natureza está-se ampliando ainda mais em razão das armas que a ciência
lhe tem dado e do domínio que os transportes lhe asseguram sobre as distâncias.
Dessa maneira, as obras humanas oriundas de todo o passado da Humanidade
contribuem para constituir o meio, o ambiente, o meio geográfico que condiciona
a vida dos homens. Assim, podemos adotar como definição da Geografia Humana o
estudo das relações dos grupamentos humanos com o meio geográfico.
Esta definição da Geografia
Humana permite-nos conceber de maneira concreta qual é seu objeto e determinar
os quadros e os limites. Ela compreende quatro grandes grupos de problemas que
resultam precisamente das relações das sociedades humanas com o meio
geográfico.
Em primeiro lugar é a valorização
feita pelas sociedades humanas dos recursos que a natureza fornece ou o que
elas conquistaram sobre ela; são modos de vida tais como os modelam as grandes
zonas naturais: a vida humana nas regiões frias; a vida humana nas regiões
temperadas; a vida humana nas regiões áridas; a vida humana nas regiões
quentes, comparando-se cada uma dessas zonas, seu contingente de plantas
cultivadas e de animais domésticos; a vida humana na montanha; a vida humana no
litoral.
Em segundo lugar é a elaboração
progressiva pelas sociedades, ao correr dos tempos e através do espaço, dos
diferentes procedimentos pelos quais elas têm, para sua subsistência, tirado
partido dos recursos naturais, desde os mais elementares até os mais complexos:
quer se trate da colheita, da caça e da pesca ou da agricultura e da criação,
quer da indústria ou do comércio, das trocas e dos transportes. Trata-se, em
suma, da evolução de um tipo de civilização.
Em terceiro lugar é a
distribuição dos homens em função mesmo das condições da natureza e dos
recursos criados pela sua exploração: a extensão da Humanidade, seu efetivo e
sua densidade, seus movimentos e suas migrações.
Em quarto lugar são as
instituições humanas, isto é, os modos de ocupação da terra desde as formas
mais simples até os grupamentos mais complicados, desde a casa e a aldeia até
as cidades e os Estados.
Eis aí o que parece ser o
conteúdo próprio da Geografia Humana. É nestes quadros que se divide todo o
trabalho de pesquisas, toda a sua obra.
2. O Método da Geografia Humana
Conceber e limitar o conteúdo e o
objeto da Geografia Humana não basta. É preciso princípios de método, seja para
melhor entendê-la, seja para não se afastar dela. Eis os princípios essenciais
desse método.
Primeiro princípio: Não se deve
crer em Geografia Humana numa espécie de determinismo brutal, numa fatalidade
resultante dos fatores naturais. A causalidade em Geografia Humana é muito
complexa. Com sua vontade e suas iniciativas o próprio homem é uma causa que
traz perturbações àquilo que poderia parecer a ordem natural. Por exemplo, uma
ilha não está necessariamente destinada à vida marítima. O nascimento de uma
vida marítima procede muitas vezes dos contatos de civilização. Assim, os
ingleses tornaram-se marinheiros somente com a escola de mercadores
escandinavos e hanseáticos. Da mesma forma, a agricultura não é somente função
das qualidades da terra; há terras férteis que não são cultivadas; há terras
pouco férteis que o são. Tudo depende do estágio de civilização da sociedade
agrícola. O homem é, às vezes, o responsável pela fertilidade do solo, por
exemplo, praticando a irrigação. A antiga extensão das vinhas na Europa
Ocidental até a Bélgica, a Inglaterra e o Norte da França fez-se em contradição
com as exigências naturais de sua vegetação; se ela pôde avançar tão longe
nesses países frios e pouco ensolarados é porque nesses países havia
necessidade do vinho para celebrar a missa e que não se podia, por falta de
transporte barato, recebê-lo dos países mais meridionais; porém, à medida que
esses transportes se tornaram menos onerosos, a cultura da vinha recuou em
direção ao Sul, em sítios mais favoráveis e mais de acordo com as suas
necessidades de vegetação e maturidade. O mesmo pays pode modificar profundamente
de valor pela ocupação humana, conforme o grau de civilização das sociedades
humanas que o povoam. Antes da chegada dos europeus, a Austrália estava ainda
num estágio de vida selvagem; não havia grandes animais para caçar, salvo o
canguru que era raro; uma pobre caça de marsupiais, de serpentes, de insetos;
não havia animais a domesticar; poucas plantas selvagens a consumir; indígenas
famélicos nômades em busca de uma pobre alimentação. Chegam os europeus com
suas plantas cultiváveis e seus animais domésticos e, depois, com seus
poderosos meios de arar e circular, e fizeram deste continente muito tempo
atrasado, um país de grande cultura e de criação intensiva, uma terra de
civilização progressiva e de conforto humano. Portanto, nada de determinismo
absoluto, mas somente possibilidades colocadas em uso pela iniciativa humana;
nada de fatalidade, mas de vontade humana.
Segundo princípio: A Geografia
Humana deve trabalhar apoiando-se sobre uma base territorial. Em todos os
lugares onde vive o homem, seu modo de existência implica uma relação
necessária entre ele e o substrato territorial. É precisamente a consideração
deste laço territorial que diferencia a Geografia Humana da Sociologia. Os
sociólogos têm tendência a perceber apenas os aspectos psicológicos dos
grupamentos humanos, a esquecer as relações dos homens com a terra, a tratar do
homem como se ele estivesse desligado da superfície terrestre. Não se poderia
desconhecer, aliás, que existem outros cimentos sociais que a terra, em
particular aqueles que repousam sobre os princípios de natureza psicológica,
tais como o parentesco e a religião, e seu estudo pertence não aos geógrafos,
porém aos sociólogos.
Todavia, o próprio da Geografia
Humana é constatar que o homem não pode ser estudado sem o solo que ele habita
e que o solo é o fundamento de qualquer sociedade. Pode-se mesmo dizer que
quanto mais esta base é larga e rica mais profundas são as relações entre ela e
seus habitantes. Mais forte é a densidade da população e mais intensiva a
exploração da terra mais esses laços se tornam estreitos.
Pode-se dizer com Sanderson que,
mesmo nas tribos de caçadores, a utilização do mesmo território cria uma
solidariedade social, independente dos laços sangüíneos e mais forte que eles.
Entre os Algonquinos da América do Norte, povo caçador, o território de cada
tribo era dividido em setores atribuídos desde tempos imemoriais às mesmas
famílias; esses grupos de família constituíam a verdadeira unidade social; o
cimento desta unidade não era o laço de parentesco mas a comunidade de poder do
mesmo território, do mesmo setor. Esses setores tinham entre os Algonquinos uma
média de 200 a 400 milhas quadradas por família, no território central da
tribo, e duas a quatro vezes mais sobre a fronteira desse território. Sobre
esse território a família caça. A caça é regulamentada de tal maneira que
apenas o crescimento natural dos animais é consumido; tem-se o cuidado de
deixar após cada estação muitos animais para assegurar as provisões do ano
seguinte: sabe-se que um massacre indiscriminado exporá a família à fome. Em
todos os domínios de caça da América pré-colombiana (caribu, bisão, guanaco)
existia a mesma organização. Entre os povos inferiores da Austrália, a tribo
tinha os mesmos direitos de coleta e de caça sobre um território devidamente
limitado; no interior mesmo do território da tribo cada unidade familiar
possuía direitos semelhantes. Com mais forte razão entre os povos agrícolas, a
base territorial leva vantagem como cimento social sobre os princípios de natureza
psicológica. Todas as comunidades agrícolas têm uma estrutura determinada pelos
laços que as prendem ao solo; grupamento das habitações em aldeias, dada a
necessidade de defenderem-se e sobretudo às necessidades do trabalho em comum;
a organização extremamente regulamentada pela posse das terras cultivadas e
baseada na rotação de culturas de uma parte a outra do território; caráter
permanente dos limites da terra; em certos países, as obras de irrigação cuja
localização comanda a repartição territorial dos campos cultivados. Diz ainda
Sanderson: "A comunidade da aldeia foi o meio de dar à humanidade um
governo local baseado sobre o princípio territorial, de preferência ao
princípio de parentesco." Substituindo a organização tribal por esta organização
territorial, há uma base geográfica que, desde uma alta antiguidade, a maior
parte das civilizações deu aos grupamentos rurais. Esses habitats onde os
homens se agrupam, onde eles trabalham, são de dimensões muito desiguais que
podem ir da localidade elementar ao grande território. Eles formam os quadros
no interior dos quais se distribuem os fatos geográficos e, por seus caracteres
próprios, imprimem uma originalidade para a Humanidade que aí se concentra.
Compreender e descrever essas unidades regionais é uma das funções primordiais
da Geografia, porque cada uma delas forma frequentemente uma espécie de
personalidade que é preciso reviver. Esta Geografia Regional constitui um dos
pontos de apoio essenciais do trabalho da Geografia Geral, porque geralmente só
se consegue conceber os grandes conjuntos pela análise de pequenos pays que a
compõem; para melhor abranger os fatos gerais é bom partir do particular, do
localizado, do regional, observar o que a região contém de particular em seus
horizontes, suas plantas, seus habitantes e definir alguma coisa de animado que
resulta da união de um fragmento de terra com um grupo humano. Somos levados,
dessa maneira, invencivelmente ao ponto de partida do nosso conhecimento do
mundo, ao substrato imediato de nossa existência material. É frequentemente
pela análise dos caracteres que compõem a fisionomia de uma região que se pode
melhor compreender as relações que unem os homens a seu meio.
Terceiro princípio: Para ser
compreensiva e explicativa, a Geografia Humana não pode ater-se somente à
consideração do estado atual das coisas. É preciso encarar a evolução dos
fatos, remontar ao passado, isto é, recorrer à História. Muitos fatos que,
considerados em função das condições presentes, nos aparecem como fortuitos se
explicam desde que se os considere em função do passado. A História abre vastos
horizontes sobre o passado que viu suceder tantas experiências humanas. Esta
noção de idade, de evolução, é indispensável. Sem ela a razão do que existe nos
escaparia frequentemente. Como, por exemplo, a Geografia Urbana poderia
dispensar a História? Como explicar Roma, Paris, Londres, sem conhecer seu
passado? Como compreender a população de um velho país como a França, se não
conhecemos a história do plantio, do desflorestamento, da partilha dos campos,
dos trabalhos de drenagem e de represamento? Todo o estudo desta conquista do
solo é feito com base na História. Eis por que os trabalhos de Geografia Humana
contêm sempre muito de pesquisas históricas, e por que os geógrafos se encontram
freqüentemente nos depósitos de arquivos, com os historiadores. Para explicar
os fatos que observa, o geógrafo não deve contentar-se de situá-los
racionalmente no espaço; é preciso também que ele os projete no passado. Também
deve saber servir-se dos documentos históricos e saber também onde
encontrá-los. Para tomar somente o exemplo da França, existem grandes depósitos
de arquivos: os Arquivos Nacionais de Paris, que possuem para as diferentes
séries ao menos um inventário sumário; os Arquivos Departamentais, que não
estão de todo inventariados; os Arquivos Comunais, muito desigualmente
acessíveis. Muitas bibliotecas possuem depósitos de documentos inéditos, desde
a Biblioteca Nacional de Paris até as das grandes cidades da França e as dos
estabelecimentos públicos, como a École des Ponts et Chaussées. Em seguida, há
os arquivos nas administrações públicas: Ministérios de Obras Públicas, do
Comércio, da Agricultura; cadastro, sem talar nos arquivos da Câmara de
Comércio, da Rede Ferroviária, Companhias de Mineração, Companhias de
Navegação, Sociedades Agrícolas e Industriais, e mesmo dos arquivos dos
tabeliães tão interessantes a pesquisar para o estudo das propriedades e
explorações. Pode dar, enfim, como exemplo de uma massa de documentos à
disposição de pesquisadores a coleção de documentos inéditos sobre a história
econômica da Revolução Francesa, rica já de mais de uma centena de volumes, e
que projetam uma viva luz sobre tantos fatos da Geografia Humana: a exploração
das culturas de charnecas, bens comunais, direitos de percursos e de terrenos
cuja pastagem é livre, oficinas rurais e indústrias domiciliares; a metalurgia
e as florestas, os inícios do maquinismo, a rede das estradas e das vias
navegáveis, o movimento da população, a evolução da agricultura, os regimes
agrários. Portanto, o estudo do passado é necessário á explicação dos fatos da
Geografia Humana. A Humanidade evolui no tempo. Para compreender esta evolução
o testemunho da História é tão necessário como o conhecimento das leis naturais.
Retirado do livro Perspectivas da Geografia (1982), direitos autorais
Difel.
ATIVIDADE:
Faça uma sinopse sobre o ensaio de Nilson Crocia de Barros sobre
geografia humana: http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/article/viewFile/146/115.
No mínimo 2 laudas.
SUGESTÃO
DE LEITURA:
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